No ano passado, o Brasil ocupou apenas a 57ª posição no ranking do Índice Global de Inovação (IGI), divulgado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. A colocação é incompatível com o fato de a economia brasileira estar entre as dez maiores do mundo e com o desejo do país de entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma vez que a média de investimento em inovação desses países é bem superior à nacional.
Mas o cenário pode ser revertido, segundo Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em entrevista ao Brasil 61, ele diz que isso depende, principalmente, de o país apostar na indústria, que é de onde saem as inovações tecnológicas que aumentam a competitividade de todo o setor produtivo.
Confira abaixo:
Brasil 61: O Brasil investe pouco mais de 1% de seu Produto Interno Bruto em inovação, enquanto outros países chegam a gastar mais de 4% do PIB. É um sinal negativo, pensando no desenvolvimento do país a médio e longo prazo?
Rafael Lucchesi: Sim. A inovação é o principal fator de competitividade para as empresas. E como o dispêndio em inovação tem um elevado risco, todos os países apoiam fortemente criando externalidades e criando formas de apoio para que suas empresas inovem. E isso é decisivo, fazendo com que haja um maior retorno para toda a sociedade: desenvolvimento econômico, geração de emprego, renda e carga fiscal. Essa é uma receita em todo o mundo.
Brasil 61: Como está o Brasil em comparação com outros países quando o assunto é inovação?
Rafael Lucchesi: O Brasil tem ficado para trás nas últimas décadas desde que perdeu a perspectiva de uma política industrial moderna, sobretudo como se discute hoje no mundo. Não é apenas um gasto ofertista em ciência, mas articulação de ciência, tecnologia e inovação como um componente central de uma política industrial moderna. Essa é a agenda que os principais países têm. O Brasil tem um duplo problema. Nós gastamos pouco em ciência, tecnologia e inovação. Pouco acima de 1% do PIB, quando deveria ficar acima de 2%, pelo menos. A média dos países que compõem a OCDE é de 2,7%. Israel e Coreia do Sul se aproximam de 5%. Japão, Alemanha e Estados Unidos estão acima de 3%. Então é claro que se o Brasil busca ambições nas cadeias mais sofisticadas, nas cadeias de maior valor agregado, nas cadeias que vão gerar o emprego e o PIB do futuro, nós temos que construir políticas de longo prazo, uma articulação entre políticas industriais do século XXI, onde tem centralidade o gasto de ciência, tecnologia e inovação.
Brasil 61: Qual a relação entre a inovação e a indústria?
Rafael Lucchesi: A vantagem da atividade industrial é que ela gera cadeias sofisticadas e longas, criando toda uma interação com o setor de serviços. Uma economia que é baseada em atividades de cadeias curtas, em commodities agrícolas ou minerais, vai gerar, por correspondência, uma estrutura de serviço pouco sofisticada e com empregos pobres com relação ao futuro e também com baixa adição de valor. Isso tem acontecido no Brasil nas últimas décadas, onde nós estamos criando uma especialização regressiva, porque o Brasil perdeu a perspectiva de uma política industrial. O Brasil desaprendeu a fazer isso. Nós fomos o país que mais cresceu no mundo a partir da segunda guerra mundial, entre as décadas de 30 e 80. Durante 50 anos o Brasil liderou o crescimento mundial e fez isso buscando fortemente a estruturação de um parque industrial complexo e integrado. Mas nas últimas quatro décadas o Brasil perdeu o protagonismo em políticas industriais modernas, exatamente o enredo que os tigres asiáticos fizeram nesse período. Nós liderávamos esse processo, países como a Coréia do Sul, que tinham uma renda per capita que era um terço da brasileira, mandava missões para estudar o Brasil. E hoje a Coréia do Sul tem uma renda per capita três vezes a brasileira. Então, nos faz pensar por que nós abdicamos e desaprendemos a capacidade de liderar o desenvolvimento econômico e também políticas industriais sofisticadas.
Brasil 61: E quais os impactos a desindustrialização causou?
Rafael Lucchesi: A taxa de crescimento brasileira nos últimos 40 anos é a metade da taxa de crescimento dos países ricos, da média da OCDE, ou seja, nós abdicamos de uma situação em que a gente liderava o crescimento econômico no mundo para uma situação de sub crescimento, onde o hiato entre o crescimento brasileiro e das principais potências está criando um fosso que se amplia, ou seja, nós estamos retrocedendo. Antes, nós estávamos numa estratégia de emparelhamento, nós paralisamos e estamos hoje numa estratégia de retrocesso.
Brasil 61: Como o Brasil pode promover a reindustrialização ao mesmo tempo em que aproveita o seu potencial no agronegócio?
Rafael Lucchesi: É claro que nós temos que pensar que temos vantagens comparativas e competitivas no setor de commodities minerais, no agronegócio, e eles são importantes. Agora, nós temos uma carga fiscal que penaliza a indústria brasileira. Nós temos um conjunto de burocracias e uma inação na agenda de defesa do setor industrial brasileiro que é uma contradição com o que acontece no resto do mundo. Então, nós precisamos pensar que mesmo para a competitividade do setor de commodities minerais ou do agronegócio, o seu desenvolvimento tecnológico está umbilicalmente vinculado à indústria, que vai produzir os defensivos, os fertilizantes, toda a agenda de biotecnologia. Nós não podemos repetir a história de maneira tão trágica e de forma tão esvaziada aceitando passivamente essa posição subalterna de perder a participação nos segmentos de média e alta tecnologia. Para um país com mais de duzentos milhões de habitantes e oito milhões de quilômetros quadrados, não cabe pensar pequeno. Nós temos que ter um projeto de país à altura e também que seja compatível à história brasileira.
Brasil 61: O que fazer para mudar esse cenário?
Rafael Lucchesi: Nós precisamos resgatar ambições maiores, que já fizeram parte da construção do projeto desse país. O Brasil saiu de uma condição de uma sociedade rural e agrícola na virada dos anos vinte para os anos trinta e demos um salto progressivo. Nós soubemos fazer isso, mas perdemos essa memória. Como país nós temos que pensar e ter claro que no mundo inteiro a grande agenda é de desenvolvimento industrial. O grande jogo e que está no centro da disputa geopolítica no mundo é uma enorme guerra fria pelo controle e o domínio profundo das tecnologias promotoras da indústria 4.0: a internet das coisas, a inteligência artificial, o big data, a indústria aditiva e a economia digital.
Fonte: Brasil 61