Entre 2015 e 2016, os donos de playlists, ao serem procurados por sertanejos (como Antony), perceberam o potencial, e o mercado começou a se formar. "Eu cobrava R$ 600. Era início, eu não sabia de nada. Estava começando a monetizar. Não sabia bem nem que preço dar", diz Adriano.
Eles também receberam outro tipo de proposta: vender o canal do YouTube inteiro deles, com as playlists incluídas. João Gabriel diz que recebeu uma proposta de 5 mil euros (R$ 20 mil, na época) de um DJ europeu, mas recusou.
Já Adriano se rendeu. Após dois meses de insistência de uma mulher da Romênia, ele vendeu seu canal de playlists, no início de 2016, por R$ 30 mil.
Hoje, a playlist criada por ele faz parte de uma rede de canais chamada RedMusic. Ele tentou criar outras playlists, mas a audiência não chega "nem perto" da anterior, afirma.
Diferentemente dos brasileiros que criaram as listas sem ter noção do potencial financeiro, a RedMusic é uma operação muito mais profissional. É uma rede com dezenas de canais, cada um com até centenas de playlists de vários estilos e nacionalidades.
Nos textos de descrição dos canais, há pouca informação sobre a RedMusic. Há apenas um e-mail de contato – o G1 enviou várias perguntas, inclusive sobre a venda de playlists de sertanejo, perguntando ainda se o comércio também existe em outros estilos, mas não teve retorno.
Vários artistas novos entraram em listas da RedMusic através da Set7, empresa de marketing digital de Londrina (PR). O dono é Gleidison Sampaio, de 31 anos. Ele já trabalhou com Antony, conheceu com ele o mercado das playlists, e passou a fazer negócios com a RedMusic.
"É uma empresa que virou uma corporação. É da Romênia. Inclusive eu talvez vá para lá em dezembro para me reunir com eles. Eles investem em playlist. O meu [contato com eles] é mais parceria do que negócio. Vou para lá por questão de treinamento, conhecer mais sobre eles. Dar uma cara [à relação, que] hoje é mais conversa via Whatsapp, Facebook."
Gleidison não quis passar valores exatos de preços e disse que eles variam de acordo com o tamanho do artista, a quantidade de acessos que a música já tem, a posição e o tempo na lista.
Uma das playlists da RedMusic, com 1,4 bilhão de acessos, mistura hits globais de Ed Sheeran e Taylor Swift a nomes bem menos conhecidos, como o da cantora Maria Lynn. Há canais e listas da RedMusic com milhões de acessos voltadas à música e à audiência latina, britânica, polonesa, turca, russa, checa…
8 – Que grandes artistas foram citados pelos donos de playlists?
Michel Teló teve clipes pagos na playlist de Adriano e na playlist de João Gabriel, eles dizem. Adriano afirma que o vídeo que ele cobrou para incluir foi "Tá quente", lançado no final de 2015.
"Humberto e Ronaldo já investiram. Da Audiomix [escritório], Jorge e Mateus já investiram. Jefferson Moraes, que está estourado, tem uma música na playlist, pagando", diz Thiago.
João Gabriel diz que costuma vender "pacotes" para os escritórios: "George Henrique e Rodrigo e Bruno e Marrone são do mesmo escritório [Worldshow]. Então eles sempre fecham comigo duas, três, quatro posições".
"Também já veio Jads e Jadson, Michel Teló, Marcos e Belutti, uma porrada de artistas", completa.
Tanto Thiago quanto João Gabriel também citam como compradores a FS, empresa da dupla Fernando e Sorocaba.
9 – O que dizem os artistas e escritórios citados?
Representantes dos escritórios Worldshow e FS e da dupla Humberto e Ronaldo negaram ao G1 que já tenham pago para seus artistas entrarem em playlists.
O G1 entrou em contato com os outros artistas e escritórios citados no item acima, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
10 – Quais são as regras e qual é o papel do Google?
O G1 perguntou ao Google qual é a posição da empresa sobre a venda de lugares em playlists, mas não teve resposta. Não há, nos termos de uso do YouTube, nenhum item que cite esta prática.
Como o assunto é novo, não há leis ou normas brasileiras que tratam desta prática. "Não tem nenhuma norma. Não conheço em outros países também regras semelhantes", diz Luiz Fernando Marrey Moncau, pesquisador do Stanford Center for Internet and Society, nos Estados Unidos.
"Está no Código de Defesa do Consumidor no Brasil que toda propaganda deve ser identificada. Mas neste caso é difícil dizer o que é propaganda, se há relação de consumo, se a relação é com o dono da playlist ou com o YouTube, e comprovar que houve essa transação. Não é situação perfeita para aplicar o código, e não acredito que isso vá acontecer", afirma.
O mais provável seria que a regulação viesse do próprio Google. "Como aconteceu com o Spotify [empresa de streaming que proibiu explicitamente a venda de lugares em playlists após uma reportagem na revista 'Billboard' relatar a prática], essa é uma questão que precisa ser abordada pelo YouTube. A transparência é fundamental", diz Pedro Mizukami, pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito na Fundação Getúlio Vargas, no Rio.
O Google vende publicidade em vídeos e links patrocinados dentro do YouTube. Mas o site indica quando são anúncios. Não é o caso das playlists de usuários que incluem vídeos sem deixar claro que foram pagos.
"Há um dever de transparência que afeta não só os consumidores como os criadores. Porque há criadores que estão em concorrência (com artistas que pagam playlists) e não estão pagando. Ou outros que se veem obrigados a pagar e tratar com estes intermediários de origem duvidosa", afirma Pedro.
É natural que o YouTube dê uma resposta sobre isso em algum momento, seja no sentido de legitimar internamente o patrocínio em playlists, ou de tornar claro se a plataforma chancela essa prática ou não."