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Xenia eleva mulher e orgulho negro em álbum solo de textura moderna
MÚSICA
Publicado em 15/11/2017

por Mauro Ferreira

O toque fúnebre da percussão de Alysson Bruno introduz Breu (Lucas Cirillo), última música do primeiro álbum solo de Xenia França, cantora baiana radicada na cidade de São Paulo (SP). Ao saudar Cláudia Silva, mulher negra assassinada pela polícia militar do Rio de Janeiro em 2014, Breu se embrenha pelas trevas do mercado comum da vida humana, no qual a carne mais barata é a carne negra. Só que, ao fim, Breu joga luz sobre Nanã, divindade afro-brasileira, evocada pela percussão tribal do mesmo Alysson Bruno. É nessa trilha, que denuncia a escuridão da violência racista do cotidiano ao mesmo tempo em que ilumina a mulher negra e o orgulho negro, que se situa Xenia (Edição independente / Natura Musical), guerreiro disco produzido por Lourenço Rebetez e Pipo Pegoraro (responsável pela formatação da faixa Breu) com coprodução musical da própria Xenia França.



Ao encarar o ouvinte de frente na capa que expõe foto de Tomas Arthuzzi, a cantora jamais nega a raça. Mas tampouco se escora nos cânones musicais e nos clichês da baianidade nagô. Ela, a baianidade, está sempre lá, orgulhosamente salientada em batuques e entranhada do início ao fim do disco. Mas essa sedutora baianidade é harmonizada com outros sons, em original miscigenação que expõe o alcance da diáspora negra ao abarcar toques de jazz, evidenciados na autoral Miragem (Sem razão) (Xenia França), e de R&B, ritmo condutor de Reach the stars (Lucas Cirillo), composição em inglês cuja gravação combina o sotaque brasileiro do violão de Lourenço Rebetez com o toque cubano do piano de Pepe Cisneros.


De Cuba, a propósito, vem também o baticum dos batás percutidos por Pedro Bandeira e Ricardo Braga em Pra que me chamas? (Lucas Cirillo e Xenia França) em sintonia com os tambores afro-brasileiros ouvidos na gravação dessa música eleita o primeiro single do álbum Xenia. Com versos inquisidores como "A cota é pouca / O corte é fundo / E quem estanca / A chaga e o choque / Do terceiro mundo? / De vez em quando / Um abre a boca / Sem ser oriundo / Para tomar para si / O estandarte / Da beleza, a luta e o dom / Com um papo tão infundo / Por que / Tu me chama / Se não me conhece?", a letra de Pra que me chamas? bate na tecla desafinada do racismo e das indevidas apropriações culturais.

 



Nesse viés existencial e estético, a regravação de Respeitem meus cabelos, brancos (2002) – composição de Chico César que deu nome ao álbum lançado pelo artista paraibano há 15 anos – faz todo o sentido em Xenia, álbum tão negro quanto feminino. Empoderada (para usar jargão já batido no meio musical), Xenia expõe a opressão contra o negro e a mulher ao mesmo tempo em que endeusa a força negra e feminina, fazendo com que músicas como Destino (Luísa Maita), Do alto (Tiganá Santana), Minha história (Tibless), Perfeita pra você (Xenia França), Preta Yayá (Theodoro Nagô) e Tereza Guerreira (Antonio Carlos e Jocafi, 1973) dialoguem no disco, valorizadas em contexto que atenua o fato de algumas das 12 composições do álbum Xenia terem, isoladamente, moderado poder de sedução. No samba-rock de Antonio Carlos & Jocafi, dupla baiana idolatrada por vozes contemporâneas como a de Russo Passapusso, a lógica machista do crime passional é invertida quando a guerreira Tereza do título mata o João que lhe infernizava a vida.


Cantora cuja trajetória profissional se inicia em 2007, ano em que começou a dar voz a sucessos do samba e da MPB na noite paulistana, Xenia França já conseguira certa projeção como vocalista da banda Aláfia. Mas é em Xenia que a artista se eleva como uma voz consciente, afiada tanto na récita do poema Garganta (Roberta Estrela D'Álva) quanto na crítica ao tribunal implacável das redes sociais, assunto da futurista Nave (Verônica Ferriani e Clarice Peluso), que plana com reverberações do cérebro eletrônico de Gilberto Gil, uma das influências assumidas da artista.


A partir da ancestralidade e da régua e compasso dados pela Bahia natal, Xenia traça voo ousado que pousa na contemporaneidade musical brasileira, sem clichês, com moderna arquitetura sonora, posta a serviço da afirmação da mulher negra. (Cotação: * * * *)


(Crédito da imagem: Xenia França em fotos de Tomas Arthuzzi. Capa do álbum Xenia)

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