'Eles tinham levado para comer e eu chutei de volta em cima deles', conta sobre show de 1985. Em 2017, ele canta com Nação Zumbi repertório do Secos e Molhados: 'Estimulante'.
Por Rodrigo Ortega, G1
o Rock in Rio 2017, Ney Matogrosso vai olhar para trás, mas sem deixar de andar para frente. O olhar nostálgico vai estar no Secos e Molhados: o show no Palco Sunset vai ter músicas dos dois primeiros discos da banda, de mais de quatro décadas atrás, misturadas ao repertório de Nação Zumbi, sua companheira de palco.
Já a caminhada adiante será na postura de Ney Matogrosso, ele diz. A atitude é desafiadora desde aqueles primeiros discos, passando pelo primeiro Rock in Rio, em 1985. Na estreia do festival, Ney foi de tanga de oncinha, recebido por ovos de fãs de heavy metal (curiosamente cozidos, o que possiblitou a Ney chutá-los de volta, segundo seu relato).
Mesmo em um mundo que está "mais careta" do que antes, Ney não pretende amenizar o discurso ou a música. "Não vou voltar, eu sou quem eu sou. O que eu adquiri de liberdade me pertence", diz o cantor que subirá ao palco no dia 22 de setembro. Veja a conversa abaixo:
G1 - Como foi para você a ideia da parceria com a Nação Zumbi?
Ney Matogrosso - Para mim essa coisa está para acontecer há um tempo. Eu queria que eles tocassem comigo desde a turnê “Atento aos Sinais” em 2013. Mas aí eles se envolveram com a turnê da Marisa Monte. E eu não pude esperar. Mas esse nosso encontro no Rock in Rio já estava previsto. Porque nós já tínhamos, lá atrás, dito “sim” um para o outro.
G1 - Mas porque você os queria na turnê?
Ney Matogrosso - Porque eu queria exatamente a sonoridade deles. Eu conheci quando surgiu e me chamou muito a atenção. Achei uma novidade no Brasil. É o poder da sonoridade deles.
Ney Matogrosso (Foto: Divulgação / Rock in Rio)
G1 - O que você acha que liga o som dos dois?
Ney Matogrosso - Talvez a psicodelia. Mas o encontro não é porque eles pareçam Secos e Molhados. É porque o som deles me interessa. É estimulante.
G1 - Comparando com sua primeira experiência no Rock in Rio, você acha que hoje as pessoas são mais abertas? Porque hoje o próprio festival estimula a diversidade no Palco Sunset.
Ney Matogrosso - No primeiro show teve aquele choque com os metaleiros. Mas era pouca gente ali na frente. Porque atrás a coisa estava aberta. Eles nem vaiavam. Eles começaram a me jogar ovos cozidos. E eu devolvia.
G1 - Mas por que ovos cozidos?
Ney Matogrosso - Porque eles levaram para comer. Era para ficar horas naquele lugar. Eu disse: ‘Ah, vão à m*’. Nem pensei. Quando jogaram o primeiro eu chutei de volta. Jogaram mais outro eu joguei de volta. Eu cantando ‘América do Sul’ e os babacas lá. Mas eu sei porque: Eu estava só com uma tanguinha de pele de onça que os metaleiros estranharam. Mas só eles, porque os outros gostaram.
G1 - O Zé Ricardo (curador) disse que você é o artista ideal para o Palco Sunset, de encontros, porque você sai da sua zona de conforto. Mas você é um artista consagrado, que podia se manter no conforto agora.
Ney Matogrosso - Mas isso é que é estimulante: você ir a outras coisas. Não ficar restrito a um formato musical. Poder transitar na música brasileira com total liberdade.
GIF - Ney Matogrosso rebola no show de abertura do palco Mundo, celebrando os 30 anos do Rock in Rio (Foto: Fábio Tito/G1)
G1 - Acha que hoje a liberdade é mais difícil? Eu já vi você dizer que o mundo está mais careta.
Ney Matogrosso - Claro, muito mais. E estamos falando de um país que vivia debaixo de uma ditadura. Mas a mentalidade do povo era mais aberta. Mesmo debaixo da ditadura. Os ditadores não eram abertos, mas a população era mais. Mas agora tá muito careta. Retrocedeu não sei nem quanto tempo.
G1 - E você vê, nesse cenário mais careta, que você como artista pode ajudar, tem essa missão?
Ney Matogrosso - Não falo em termos de missão, de ajudar. Só acho que direito adquirido é direito adquirido. Eu não vou voltar atrás. Eu não vou caminhar para trás para agradar. Como eu não parei de andar pra frente em um momento de alta repressão. De expor meu pensamento com liberdade quando ela não era admitida.
Então eu não vejo nenhum cabimento agora, porque estão ficando mais caretas, eu voltar. Não vou voltar, eu sou quem eu sou. O que eu adquiri de liberdade me pertence. E não negocio a minha liberdade.
G1 - Em 2013 eu estava lá e fiquei emocionado com a sua parte da homenagem ao Cazuza.
Ney Matogrosso - Foi intenso. Foi uma música que eu gosto muito do Cazuza (“Codinome Beija-flor”), que eu nunca tinha feito. Adoro cantar o repertório dele.
G1 - Já com a Nação, tem uma coisa muito clara que é o contraponto de vozes, que é interessante.
Ney Matogrosso - Mas isso eu não sei se vai acontecer o tempo todo, eu penso que não. Em alguns momentos cantaremos juntos, noutros não. “Amor” eles tiraram do meu tom. E deu certo, porque ele canta no grave e eu canto uma oitava acima dele. Cantar com homem para mim é complicado. Mas ele tem um tom tão grave que me favorece para fazer a oitava mais aguda.