Perdemos nossa Lady Gaga
16/08/2016 07:26 em NOVIDADES

Por muitos anos achei que Elke Maravilha era uma maluquetes de peruca, vestida com fantasias de Carnaval, várias, todas juntas e misturadas.

Elke era bem mais que o ser hiper montado que alegrava, divertida ou assustava. A "traveca mãe" era a casca de uma mulher forte, que parecia ter vindo de outra galáxia.

Ex-modelo, ex-secretária, ex-tradutora, ex-bibliotecária, a atriz e famosa jurada de programas de auditório viveu 71 anos de uma doce rebeldia. Partiu nesta segunda-feira (15), sem muito alarde, levada por uma úlcera.

Inteligente, falava oito línguas - alemão, italiano, espanhol, russo, francês, inglês, grego e latim - , mas gostava mesmo era da língua da arte, de insurgir, de transgredir.

Após um filme, foi convidada para ser madrinha da associação das prostitutas do Rio de Janeiro. Tornou-se anos depois madrinha dos presidiários. Assim como Gretchen e Rita Cadillac, fez shows para eles. Fez shows também em Serra Pelada. Ela tinha irmão que morou no garimpo por muitos anos.

Elke era russa. Seu nome artístico foi dado pelo colunista social Daniel Más, graças ao seu estilo peculiar, sempre vestida com roupas coloridas, longas botas, perucas e maquiagem forte. Estilo esse que já lhe rendeu agressões nas ruas.

Contava que uma vez apanhou na rua e levou uma cusparadas por conta de seu visual. Muita gente achava que Elke era um travesti, e ela se divertia com isso. "Essa sou eu, e só fui piorando com o tempo", dizia a musa.

Elke fez abortos, usou drogas, casou-se oito vezes e nunca escondeu isso de ninguém. Defendia a liberdade dos sexos.

Foi presa pela ditadura, tinha uma vida pessoal atribulada, mas assim como seus cabelos reais, loiros e lindos, pouca gente conhecia a real Elke, a Elke Georgievna Grunnupp.

Elke usava peruca para ir à padaria, na farmácia, até dentro de casa. Tinha uma coleção delas.

Dona de um imenso coração, ajudava e abrigava amigos (as) com problemas financeiros, defendia causas sociais de minorias, lutava contra o preconceito e exigia respeito, sempre.

Assim como amava Chacrinha, o seu "painho", tinha ressalvas com relação à Silvio Santos, com quem também trabalhou.

"Sinto saudades do Chacrinha; do Silvio Santos não sinto a menor falta. Gosto de respeito", falava ela. "Pedro de Lara dizia que tem gente que é tão pobre, tão pobre que só tem dinheiro", falava ela. A crítica parecia ser direcionada ao dono do SBT.

A relação com Chacrinha durou 14 anos. A primeira vez que foi convidada para ir ao programa, não aceitou. Elke não via televisão.

"Perguntei a um amigo sobre como era o tal programa do Chacrinha e ele me disse que era um programa de auditório que tinha um apresentador que tocava uma buzina o tempo todo. Achei legal, comprei uma buzina e entrei lá buzinando; o Painho [como a atriz chama o apresentador Chacrinha] se encantou comigo e eu com ele. Foi assim que começou!", contou ela em uma entrevista.

Chacrinha gostava muito de Elke. A ajudou a comprar seu primeiro apartamento, com um cheque de R$ 100 mil na época, coisa que ela guardou em segredo, a pedido dele.

"Não existiu alguém que libertasse como Chacrinha. Todos esses apresentadores e emissoras escravizam", explicava a loira.

Elke adorava o Pedro de Lara. Achava ele um homem inteligente, muito além do palhaço mal-humorado. Eram grandes amigos fora dos palcos.

Alta e bela, a russa foi modelo, desfilou para Clodovil, grifes internacionais, mas nunca foi escrava da moda. Sonhava em ter cabelos afro, volumosos, daí a mania de perucas.

Vaidosa, Elke fez poucas cirurgias plásticas. Tirou uma "papada" que dizia que a deixava a cara de um "peru de Natal". Gostava mesmo era de maquiagem, muita. "Não sei como é minha cara sem blush", debochava ela.

Educada, era a rainha do sincericídio. Dizia que as pessoas estava erradas ao achar que boa educação era não gritar na mesa, sentar e comer bonito.

"Boa educação é preparar uma pessoa para vida. Eu fui bem preparada para a paz e bem preparada para a guerra", falava ela.

Cheia de vida, Elke garantia estar bem preparada para morte. “Seja trágica, mas nunca seja dramática", afirmava ela.

A filha de dois amigos, Rosa e Ortega, ao ver a loira toda montada pela primeira vez perguntou: "Ela é a avó da Lady Gaga?".

Sim, Elke tinha casacos feitos de cabelos, botas com saltos de 40 cm, criou cobras, musa das minorias, do amor livre, presa pela ditadura militar, perdeu a nacionalidade brasileira, virou "apátrida". Endureceu, lutou, se rebelou, mas nunca perdeu a ternura. Chamava os calouros de "filhinhos", apesar de nunca ter tido um.

Sim, Elke era realmente uma maravilha, era a nossa Lady Gaga.

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